O canadiano Norman Jewison, realizador de No Calor da NoiteÓscar de Melhor Filme em 1968, e de O Feitiço da Lua (1987), amável filme e grande triunfo para Cher, morreu no sábado, aos 97 anos, na sua residência em Los Angeles, noticiou na noite de segunda-feira o Hollywood Repórtercitando o agente do cineasta, Jeff Sanderson.
Pense-se o que se pensar de Jewison, qualquer que seja a consideração pelo percurso que trilhou, a sua carreira de 50 anos será sempre exemplar da mudança radical para a Hollywood do sistema de estúdio que marca, na história do cinema norte-americano, a entrada na década de 60 do século XX.
Não tendo nada a ver com o que seria a Nova Hollywood de Martin Scorsese, Peter Bogdanovich ou Hal Ashby, não deixando contudo os seus filmes de exalar o perfume de um tempo que abria violentamente todas as portas — como atesta o antagonismo entre Sidney Poitier e Rod Steiger numa cidade conservadora do Mississípi fechada ao movimento dos direitos cívicos (No Calor da Noite), o filme da célebre tirada da personagem “do preto”: “Eles me ligam Senhor Tibbs!” —, Jewison foi o homem de um sistema que tentava sobreviver para além do prazo de validade estabelecido pelo aparecimento da televisão e pela ameaça dos insurgentes, a contra-cultura. No Calor da Noite recebeu cinco Óscares da Academia, entre os quais o de melhor filme, batendo para isso os hoje mais icónicos e anunciadores Bonnie e Clydede Arthur Penn, e A Primeira Noitede Mike Nichols, e ainda de melhor actor (para Rod Steiger). Estreou-se no mercado americano semanas depois da eclosão de tumultos raciais em Detroit e Newark.
Daí também os musicais (tardios) de Jewison, as suas super-produções, por exemplo Um Violino no Telhado (1971). Daí também o compromisso com a irreverência em títulos como Vêm Aí os Russos, Vêm Aí os Russos! (1966), uma sátira à guerra fria, O Caso Thomas Crown (1968), com o charme de Steve McQueen e Faye Dunaway em ponto de rebuçado, O Aventureiro de Cincinnati (1965), de novo McQueen, a maior estrela desse tempo, ou mesmo Jesus Cristo Superstar (1973), adaptando o musical da Broadway de Andrew Lloys Webber, um dos filmes emblemáticos da vaga de ópera-rock no cinema e na música — o disco consumiu-se tanto como o filme, era tanto sinal exterior geracional quanto o filme.
Mas, evidentemente, e por último mas não menos importantedaí também a consciência política e social que colocou o cinema de tema no horizonte ao longo da sua carreira, sendo capaz de transformar isso em espectáculo. PUNHOcom Sylvester Stallone, filme que se mete pela história do sindicalismo americano e pelas suas relações com o subterrâneo criminoso, foi realizado já em 1978. No obituário que lhe dedicou, o New York Times lembrava esta declaração do realizador nascido em Toronto em 1926: “Os filmes que tratam dos direitos cívicos e da justiça social são os mais caros para mim”. Referia-se ao sentimento de estranho desenvolvido na infância, à empatia para com os marginalizados, recordando uma viagem à boleia pelo Sul segregacionista dos anos 40 durante a qual foi repreendido pelo condutor de um autocarro por se ter sentado junto aos passageiros negros.
Sintomático, também: Jewison veio da televisão, tal como Sidney Lumet e outros de uma geração, embora nada do que tenha feito se possa medir com o fôlego de fresco trágico do realizador de Um Dia de Cão. Seria o realizador, por exemplo, de O programa de Judy Garland, caso eufórico e comovente da reconversão aos novos tempos de uma estrela do cinema clássico. Começou então por se prestar como organizador de veículos cómico-sentimentais para Tony Curtis (20 quilos de Sarilhos) ou Doris Day (O Tempero do Amor e Não Me Mandem Flores). Mas foi depois de ser chamado para substituir Sam Peckinpah em O Aventureiro de Cincinnaticom McQueen, produção que estava em apuros, que começou a mostrar que podia valer ao sistema.
O seu canto de cisne foi O Feitiço da Luasucesso de crítica e de público que deu o Óscar a Cher, e deu ao mundo o vestido que ela usou na cerimónia da Academia, embora tenha filmado até 2003: A declaraçãocom Michael Caine a fazer de ex-nazi.
Em 1999 a Academia de Hollywood deu-lhe o Prémio Irving Thalberg como agradecimento pelos serviços prestados. A sua autobiografia, escrita em 2004, tinha como título Este negócio terrível tem sido bom para mim. E foi: no total, os seus filmes receberam 46 nomeações para os Óscares e 12 prémios da Academia. Embora, o que não deixa de ser irónico, nunca o Óscar do melhor realizador.