Na Havelar, em Vila do Conde, não se constroem casas com pedra, tijolo ou telha. Também não são precisos andaimes, betoneiras ou construtores civis. Aqui, basta uma impressora 3D e cinco pessoas para se fazer uma habitação.
No terreno da empresa está a primeira casa impressa em Portugal, começa por explicar Rafael Matias, que faz a visita guiada. Demorou 18 horas (não contínuas) a ter paredes e duas semanas a ser finalizada com tudo o que uma casa deve ter — das janelas à decoração. Tem dois quartos, cozinha, sala e casa de banho. As paredes, rugosas e ligeiramente arredondadas, são feitas de uma massa de betão e preenchidas com um granulado de cortiça para, diz o engenheiro mecânico, “garantir isolamento térmico e sonoro à casa”. Ao lado, e ainda em construção, está outra habitação com paredes mais lisas e claras.
“Esta casa é tão durável como qualquer outra construção”, reforça antes de abrir a porta. A ideia foi pensada pelos fundadores Patrick Eichiner, José Maria Ferreira e Rodrigo Vilas-Boas, arquitecto do atelier OODA.
No interior da casa modelo, não há sinal do barulho da impressora que continua a trabalhar a escassos metros da janela da sala. Rafael Matias diz que é “uma casa pronta a habitar” e afirma que também será assim com as restantes 130 habitações que a Havelar quer disponibilizar já este ano, diz José Maria Ferreira.
Uma casa impressa de tipologia T2 e com 90 metros quadrados custa 150 mil euros, já equipada com móveis de cozinha e electrodomésticos. O valor, acredita o fundador, é “competitivo” quando comparado às restantes casas do mercado — uma habitação com as mesmas características, mas construída com tijolo e pedra, “situa-se nos 300 mil euros”, afirma.
Aqui as casas são feitas em grandes quantidades de cada vez, porque “quando a máquina começa a imprimir é como uma linha de montagem que não pára”. Só a imprimir “30 ou 40” casas de uma vez é que são “rentáveis e competitivos”, ilustra José Maria Ferreira. Aqui a ideia não fazer apenas uma casa de cada vez, mas sim “construir comunidades”, imprimir várias casas iguais no mesmo sítio e, preferencialmente, em zonas com acesso a outros serviços como escolas, jardins-de-infância, bibliotecas e supermercados.
Imprimir agora. Aproveitar os materiais 100 anos depois
O plano inicial é utilizar massa de betão na impressão. Mas até 2030, há mais duas metas a cumprir: reduzir a pegada de carbono e usar materiais sustentáveis para imprimir as casas. Sobre este último ponto, a empresa da vila de Vilar do Pinheiro está a testar as potencialidades da argila, terra, areia, fibra de coco, cal, linhaça e até da casca de arroz.
Pedro Monteiro é arquitecto, mas compara o seu trabalho ao de um cozinheiro. Está responsável por misturar materiais extraídos da terra e acrescentar uma “percentagem de cada ingrediente” à receita para ver se resulta. Neste caso, resultar significa que as combinações se transformam num bloco sólido capaz de suportar uma casa durante anos.
“Se fizer uma casa agora e ao final de 100 anos quiser reconstruir o edifício posso usar materiais que usei para imprimir as paredes, devolvê-los à natureza ou usá-los noutros mercados”, salienta.
Chegou à Havelar em Janeiro, um ano depois de a empresa ter sido criada, mas já trabalha na testagem de materiais há vários anos. Depois da licenciatura, emigrou para França e depois para a Suíça, países onde, diz, já há muito que se usam estes materiais ecológicos na construção de casas. Foi serralheiro, carpinteiro e construtor civil de edifícios feitos à base de terra. Portugal está agora a dar os primeiros passos neste novo mercado.
A escassos metros da casa modelo fica o laboratório onde passa os dias. Numa das salas está uma prateleira com frascos de várias cores e tamanhos e pequenos blocos de materiais já cozinhados. Uns são mais lisos, outros mais duros e alguns desfazem-se ligeiramente se passarmos o dedo.
Segundo o arquitecto, são apenas protótipos, desde logo porque os que se desfazem nunca seriam usados na impressão de casas. Do lado oposto da divisão estão os modelos das casas que a Havelar quer imprimir.
A primeira, projectada pelo atelier OODA, é a que existe em tamanho real. As outras também são T2 e foram desenhadas pelos arquitectos Glória Cabral, Kengo Kuma, Manuel Aires Mateus ou Álvaro Siza Vieira.
Ao lado da casa modelo, os colegas de Rafael e Pedro preparam a impressora para imprimir outras peças em betão. Neste momento, estão a testar novas linhas e formas geométricas imprimindo vasos, bancos, floreiras ou esculturas.
A que está a ser impressa é feita de círculos e várias camadas. A parte exterior é menos rugosa do que a interior e o betão utilizado tem mais gravilha que lhe dá uma tonalidade mais clara. Junto ao relvado está um banco para duas pessoas que a impressora também fez e em cima do balcão da recepção da empresa um vaso.
“Estas peças são feitas com as sobras do betão que usámos para a impressão de casas. Testamos a mistura antes de começar e esperamos que fique sólida. O que não é usado é reaproveitado por exemplo para fazer mobiliário exterior”, aponta Rafael Matias.