Que as empresas lutem de forma contínua por um lugar ao sol, no cenário de permanente concorrência em que vivem e do qual retiram a sua razão de ser, não deve espantar nada nem ninguém, mas que uma câmara municipal se preste a ver ruas, praças, rotundas, a serem literalmente invadidas por instrumentos publicitários que pouco interessam à cidade e aos seus habitantes suscita uma certa incredulidade e estranheza. Afinal, nas palavras do nosso autarca, “as pessoas primeiro” – mas, alguma vez, serão as ditas pessoas ou a própria cidade os beneficiários deste ruído visual que, para onde quer que nos voltemos, se impõe às horas e lugares do nosso dia?
Não escapará a ninguém a recente substituição (aumento?) da variada e diversa parafernália de mupis e de suportes publicitários com que, até há pouco, as várias empresas do ramo presentearam, com a aquiescência camarária, a cidade de Lisboa e os lisboetas. Uma substituição que, aliás, coincide com a substituição, pela mesma empresa, de todas as paragens de autocarros da Carris nas quais, claro está, existem sempre painéis incorporados para publicidade, em muitos casos a mesma que existe nos mupis a poucos metros das paragens.
Perante tal desordem no espaço público, o anterior executivo decidiu que toda a cidade deveria ter o domínio publicitário adjudicado quase na sua totalidade a uma única empresa (a segunda, MOP, é praticamente inexpressiva).
Supomos que, juridicamente, a benemérita operação não ofereça quaisquer dúvidas em relação à sua regularidade (a Provedoria de Justiça e o Tribunal de Contas aprovaram?).
Do anterior mandato para este, a entrega, mediante uns 8 milhões de euros anuais, recebeu luz verde.
A empresa pretende, num arrufo deliciosamente estudado, que a cidade de Lisboa seja, no pontificado JCDecaux, mais “harmoniosa”, “tecnológica” e “sustentável”.
Que as empresas acreditem no que querem é com elas, agora que uma cidade se vergue por todo o lado aos vários mandamentos com que as mesmas a si próprias se vendem já se prende com as escolhas que são feitas pelas entidades que têm em mãos a gestão, o ordenamento e a salvaguarda do espaço público.
Prometia com desvelo o governo desta cidade que o número de postes a debitar publicidade seria menor, que haveria uma uniformização das tipologias, que Lisboa deixaria de parecer um barato bazar de feira para se transformar num exemplo de ordenamento e respeito pelo espaço público.
A realidade é, contudo, outra, ainda mais triste.
Por todo o lado assistimos à crescente e imparável instalação de mupis no solo, a meia haste aérea, nas paragens, em rotundas, ruas, avenidas, bairros mais periféricos e no centro histórico.
Diz-nos a Câmara que o número de suportes a espetar pela cidade é agora menor e a tipologia uniforme. Serão porventura menos, não sabemos, só contando um a um, mas a área expositiva é certamente maior dadas as dimensões colossais de alguns dos “uniformizados” suportes. Há publicidade em suportes pequenos, médios, grandes e garrafais.
O engenheiro Moedas e os seus vereadores acham que semear “alguns” monos com filmes publicitários nas placas centrais relvadas da Avenida da República, por exemplo, não traz qualquer problema do ponto de vista da segurança rodoviária, que tapar determinados ângulos da estátua do duque de Saldanha não é descortesia para com uma das figuras cimeiras do liberalismo, que, em Entrecampos, a estátua aos Heróis da Guerra Peninsular, gabada que foi pelo Pessoa, deva entrar em concorrência com mais um postezinho. É só mais uma pequena concessão que se faz à empresa que vê Lisboa como um vasto espaço de marketing onde todos nós, pessoas, cidadãos, somos apenas suporte consumidor. Ou acharão que iremos pasmar face às novíssimas tecnologias usadas para nos encherem os olhos com as benesses de uma publicidade inesgotável e infinitamente agressiva?
Com espanto percebemos que o mesmo está já a marcar a própria Avenida da Liberdade, com mais de 20 postes cravados no desenho da calçada lisboeta, e também o Largo de São Roque, onde a magnífica fachada maneirista será secundarizada por um ecrã publicitário. A perspectiva da Rua da Misericórdia «já era» e não deixa margem para dúvidas.
DR
Por outro lado, continuam os mupis a bloquear passeios, a impedir a visão de passagens de peões pelos veículos que se aproximam, etc., etc.
Lisboa é, actualmente e na prática, o palco de duas empresas publicitárias. Não defendemos que a publicidade deixe de existir, mas se pensarmos que ela se torna omnipresente e impositiva na cidade, talvez tivesse sido útil ter negociado ou renegociado os termos do contrato.
Aparentemente, nada disso foi feito nem sequer pensado.
Tal como determinadas perguntas, por parte de um executivo camarário que se ufana das suas preocupações ecológicas: qual foi a pegada ecológica do fabrico destas centenas de mupis?
Qual é a factura energética do seu funcionamento, sendo grande parte deles ecrãs iluminados, digitais, sempre em funcionamento?
Qual o estudo em que se basearam para achar que a colocação de ecrãs luminosos em movimento junto de rotundas e cruzamentos não constitui um perigo para quem circula?
A excessiva presença de mupis publicitários junta-se a um infindável rol de manobras desastradas que comprometem a integridade da paisagem urbana de Lisboa. Esta, como se sabe e defende em vários textos, constitui um bem público, e não é, para cada um de nós que vive ou percorre Lisboa, “só paisagem”, devendo, por isso ser escrupulosamente salvaguardada.
Isto e a omnipresença intocável dos ao ar livre de propaganda pelos locais centrais de Lisboa conduz a uma conclusão inexorável: Lisboa quer ser conhecida pela capital da «prostituição do espaço público».
Daí a pergunta: haverá disponível ainda um doador que publicite a seguinte mensagem: “E urgente: precisa-se de uma nova visão para Lisboa!”?
Miguel de Sepúlveda Velloso, Paulo Ferrero, Rui Pedro Barbosa, Gustavo da Cunha, Miguel Atanásio Carvalho, Carlos Moura, Maria Ramalho, Teresa Teixeira, Rui Pedro Martins, Madalena Martins, Paula Cristina Peralta, Ana Alves de Sousa, Fátima Castanheira, António Araújo, Jorge Pinto, Nuno Caiado, Teresa Silva carvalho e Bernardo Ferreira de Carvalho – sócios da associação Fórum Cidadania Lx