Asli fez o retrato da sua mãe, mulher, imigrante, trabalhadora, na Alemanha

Antes de ser fotógrafo Asli Özçelik nascer, a sua mãe emigrou para a Alemanha. “Ela cresceu numa zona muito rural do nordeste da Turquia, perto de Kars”, conta ao P3, em entrevista. “O meu pai emigrou para a Alemanha com a sua família em 1981 e a minha mãe seguiu sete anos depois, quando tinha 20 anos, passando a viver com ele e a sua família.” Após a sua chegada à Alemanha, a mãe de Asli teve dois filhos e permaneceu no país até hoje. “Lembro-me de a minha mãe sempre trabalhar, mesmo enquanto cuidava de mim e do meu irmão quando éramos pequenos”, refere. “Trabalhava ao mesmo tempo que nos criava e, por vezes, montava candeeiros que vinham separados por peças em casa.”

Em Março de 2020, mês que ficou marcado pelo início da pandemia de covid-19, a mãe da fotógrafa Asli Özçelik teve de abandonar o seu apartamento, na Alemanha. Asli recebeu-a em sua casa durante um mês antes de ela encontrar uma nova casa. “Foi um período intenso, desafiante para ambas, mas aproximámo-nos mais do que nunca. Para mim, foi um momento de viragem na nossa relação.”

Foi nessa altura que Asli fez as primeiras fotografias do projecto Boa saúdeque significa “boa sorte”, em turco, que é dedicado à história de vida da sua mãe e das mulheres imigrantes trabalhadoras na Alemanha. “Quando comecei a levar o projecto mais a sério, comecei a ler mais livros sobre a história da imigração na Alemanha, sobretudo do ponto de vista dos trabalhadores convidados”, pode ler-se na sinopse do projecto que se transformou, recentemente, em fotolivro e que se encontra, a partir do dia 13 de Setembro, em exposição no espaço Narrativaem Lisboa.

A expressão alemã trabalhadores convidados refere sobretudo aos trabalhadores turcos que foram admitidos na Alemanha Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial, para ajudar a reconstruir as infra-estruturas do país. “Quis ler sobre as experiências e histórias de mulheres e descobri que não existem muitos livros ou filmes que abordem as experiências femininas em comparação com as dos homens, o que achei perturbador.”

Quando começou o projecto, Asli não tinha como ponto de partida uma reflexão acerca de imigração ou a história dos imigrantes trabalhadores na Alemanha. “O trabalho era sobre a minha mãe, apenas, desprovido de uma abordagem política. Foi só depois de falar com outras pessoas sobre o projecto, sobretudo em contexto académico, que percebi que este é um tema pesado, sobretudo na Alemanha.”

As imagens de Boa saúde descrevem o quotidiano da sua mãe num período de transição da sua vida. Mas não só. O livro inclui também fotografias do álbum de família de Asli, que ajudam a mergulhar na história pessoal da sua mãe e, assim, conhecê-la melhor. “Fotografá-la permitiu-me recuar, olhar para as coisas de uma nova perspectiva e compreender as nossas emoções de uma forma diferente”, conta. “Graças à fotografia, construímos algo que nos pertence, num período em que tantas coisas pareciam escapar ao nosso controlo.”

Asli continuou a fotografá-la já no novo apartamento, numa altura em que a mãe também arranjou um novo emprego. Seguiu-a até Istambul, onde vive a sua família, e até à sua aldeia natal, Damal, onde também a fotografou. “Há 15 anos que não visitávamos Damal e, ao ir lá novamente, senti que estava diante da última etapa do projecto.”

“O que considero central neste projecto é a minha vontade de dar à minha mãe o reconhecimento e apreço que merece. Fiz este trabalho para dedicá-lo a ela e, claro, esperando que as pessoas ao meu redor reconheçam a pessoa que ela é. Não sei o que dizer relativamente à esperança que existe para as gerações futuras, mas espero que a realidade das mulheres imigrantes possa ser entendida com sensibilidade.”



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