Lisboa tem um novo bistrô francês, mas com sotaque russo. É o teatral Bisque

“Chique a valer.” Era o que diria a personagem Dâmaso Salcede de Os Maias quando entrasse no Bisque. Eça de Queirós não é contemporâneo deste novo restaurante no Largo Conde Barão, em Lisboa, mas apreciaria o dramatismo das cortinas vermelhas, os pesados talheres de prata e a comida de inspiração parisiense que dois empresários russos decidiram trazer para a capital portuguesa.

Na cozinha, está tudo preparado para o primeiro acto e os “actores” movimentam-se em silêncio, perfeitamente coordenados. Preparam a sopa bisque que dentro de momentos será pousada na mesa à luz das dramáticas velas vermelhas (ou melhor, do que resta delas). O clássico molho da cozinha francesa não faz do Bique (restaurante) um refém e foi apenas o mote para a atmosfera parisiense.

Não se ouve falar francês, mas inglês em todas as mesas — aliás, grande parte da equipa não fala português, mas apenas inglês. Podiam estar em Paris, como desejava o fundador Vladimir Perelman. Era lá na capital francesa que o empresário russo queria abrir um restaurante até conhecer o conterrâneo Pavel Kiselev, que já tinha negócio em Lisboa, com o Oyster & Margarita no Príncipe Real.

Pavel Kiselev chegou a Portugal há nove anos, mas andou pela ilha do Pico, onde abriu o Casa Âncora (entretanto vendido). “Trabalhava numa empresa de petróleo, não tinha nada a ver com restaurantes. Mas, assim que fui aos Açores pela primeira vez, pensei ‘vou abrir um pequeno negócio”, recorda. O negócio foi uma aventura, mas serviu-lhe para aprender as bases da restauração que trouxe na mudança para Lisboa em 2019.

No capítulo seguinte, foi já no bar de Lisboa que conheceu o agora sócio. “Já andava à procura de espaço para abrir um novo conceito há algum tempo e ele sempre quis fazer alguma coisa na Europa”, conta à Fugas. Casamento feito, encontrar um espaço foi o maior desafio e a nacionalidade de ambos não ajudou. “Houve um espaço na Praça das Flores que chegámos a negociar, mas o senhorio não quis [aceitar] o passaporte russo do Vladimir”, lamenta.




Centá




Centá

Era este espaço no Largo Conde Barão em Santos que os esperava. Faltava definir o conceito e pediram ajuda ao estúdio Centá, que construiu a decoração, o ambiente, o design dos menus e até o fardamento das equipas. Depois, foi hora de reunir o máximo de velharias encontradas em lojas ou feiras em Paris, incluindo os pesados talheres e castiçais de prata.

Mas faltava o mais importante num restaurante. Confiaram a carta ao chefe de cozinha Dimitri Parikov, que já era responsável pelos restaurantes de Vladimir Perelman em Moscovo — deixando claro que a gastronomia russa seria demasiado “pesada” para o clima português. “Inicialmente era só um restaurante de peixe, mas decidimos virar-nos para o bistrô francês”, detalha Pavel Kiselev. E afiança com humor: “Acho que ele [Vladimir] tinha vontade de abrir uma coisa em Paris, mas, como foi em Lisboa, quis manter a sensação francesa.”




Centá

O grupo de WhatsApp com o chefe de cozinha

Essa “sensação” passa para os pratos, que mantêm alguns dos clássicos do receituário francês, como o já falado bisque com lagosta, gougères e molho ferrugem (25€), mas também o Borgonha de vaca com batatas e cenoura assada (17,5€) ou o robalo com molho frango (18€). Os ingredientes, promete Pavel Kiselev, não vêm de Paris e são o mais locais possível, tendo que passar ao rigoroso teste do chefe de cozinha Dimitri Parikov. “Temos um grupo de WhatsApp com o chefe de cozinhaonde os cozinheiros partilham fotografias do configurando dos pratos”, conta o empresário, enquanto nos mostra as provas no telemóvel.



Carabineiro
Centá


Ouro bruto
Centá

Ele próprio vai fazendo testes às cegas à cozinha, com pedidos para mesas aleatórias onde é ele que está sentado. “A carta vai mudar antes do Inverno. Vamos fazer duas estações”, explica, detalhando que, por agora, mantêm opções mais estivais, especialmente nas entradas, como a burrata com bottarga (12€), os carabineiros com azeite e flor de sal (24€) ou o crudo de dorado com molho de ruibarbo (11€).

Na carta de vinhos, a inspiração francesa mantém-se, sendo que Pavel também quis incluir algumas referências dos vinhos do Pico. Acompanham bem as sobremesas, com destaque para o cheesecake de chocolate com cardamomo e cogumelos mastigados (9€), uma opção peculiar, mas surpreendente ao paladar.



Bisque com lagosta, gougères e molho rouille
Centá


Por agora, abertos desde Julho, Pavel não esconde que os comensais têm sido sobretudo turistas e estrangeiros a viver em Lisboa, apesar de os fregueses nacionais terem vindo a crescer nas últimas semanas. “Dá para perceber que também querem fugir um bocadinho aos restaurantes mais clássicos”, assevera. Para fazer face à oferta na zona, o Bisque também tem brunch ao fim-de-semana e não faltam, claro, os croissants.


A Fugas jantou a convite do Bisque.

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