Praticantes desportivos e direitos televisivos

1. O Decreto-Lei n.º 22-B/2021, de 22 de Março, veio determinar a titularidade dos direitos de transmissão televisiva e multimédia, e demais conteúdos audiovisuais, relativos aos campeonatos masculinos de futebol das I e II Ligas e estabelecer regras relativas à sua comercialização. Esses direitos pertencem às sociedades desportivas participantes nas respectivas competições. Tais direitos, por outro lado, referentes às épocas desportivas subsequentes à de 2027-2028, serão objecto de comercialização centralizada em termos a definir mediante proposta da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, sujeita a aprovação da Autoridade da Concorrência, até ao final da época desportiva de 2025-2026.

Há ainda a possibilidade de, por exemplo, perante dificuldades de acordo entre as sociedades desportivas, os termos de o modelo de comercialização centralizada serem definidos por decreto-lei, ouvida a Autoridade da Concorrência. Não tendo acompanhado, de perto, a evolução registada, percepciona-se, contudo, que existem sinais de sentido contrário quanto ao valor a alcançar (para distribuição) no futuro modelo.

2. Que os direitos aqui referidos pertencem às sociedades desportivas participantes nas competições é afirmação indesmentível, pois são elas que protagonizam a aposta – e risco inerente – nos eventos como seus promotores.

Todavia, a lei em causa nada diz sobre a possibilidade de uma parte dos proveitos económicos derivar para os praticantes desportivos, enquanto actores essenciais nesses eventos.

Por exemplo, a lei brasileira há muito estabelece que “salvo convenção ou acordo colectivo de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos de difusão de imagens de eventos desportivos serão repassados pelas organizações desportivas de que trata o caput [parte inicial] deste artigo aos atletas profissionais participantes do evento, proporcionalmente à quantidade de partidas ou provas por estes disputados.”

3. Mais próxima no tempo é a solução da lei espanhola – Real Decreto-Lei 5/201530 de abril, “medidas urgentes em relação à comercialização dos direitos de exploração de conteúdos audiovisuais de competições profissionais de futebol“. Em norma típica de solidariedade das competições profissionais com outros sectores e agentes desportivos, prevê-se que cada um dos participantes entregará ao Consejo Superior de Deportes até 0,5% dos valores alcançados, para que este distribua por diversas entidades, entre elas, associações ou sindicatos de futebolistas, árbitros, treinadores e preparadores físicos (artigo 6º).

4. Para além deste desenho, a verdade é que em 2015, com uma convocatória de greve pelo meio, foi estabelecido um acordo entre La Liga e a AFE (Associação Espanhola de Futebolistas), em que a primeira se obrigou a entregar à segunda 0,5% do total líquido das receitas obtidas pela exploração comercial conjunta dos direitos audiovisuais, para a realização de uma série de actividades. Com o surgir de outro sindicato de praticantes (Futbolistas ON), o Supremo Tribunal espanhol veio recentemente a declarar o direito deste último a uma repartição proporcional dessa percentagem. Veremos, quando lá chegarmos, se algo de semelhante ocorrerá em Portugal.

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