Fast fashion: marcas globais usam cada vez mais tecidos poluentes, diz relatório

Gigantes da moda como a Shein ou a Zara estão cada vez mais dependentes dos tecidos sintéticos, sugere um relatório da Fundação Changing Markets divulgado no final desta segunda-feira. A organização sem fins lucrativos realizou um inquérito a 50 marcas internacionais e avaliou dados disponibilizados publicamente, concluindo que o sector têxtil está a “dobrar a aposta” na roupa de consumo e descarte rápido (ou moda rápida).

Das 23 marcas globais ligadas à moda (ou retalhistas) que responderam ao inquérito da Changing Markets, 11 confirmaram que, de facto, haviam aumentado a utilização de têxteis sintéticos – com especial destaque para o poliéster. Segundo as respostas enviadas por menos de metade dos 50 inquiridos, às quais o PÚBLICO teve acesso, só três afirmam ter reduzido o uso de tecidos de origem fóssil: G-Star Raw, Mango e New Look.

“Os resultados do nosso inquérito são alarmantes, uma vez que revelam uma tendência preocupante na indústria da moda. Apesar das provas crescentes das consequências das fibras sintéticas para o ambiente e para a saúde, as marcas estão a duplicar a utilização dos materiais que alimentam a moda rápida e agravam a poluição”, afirma ao PÚBLICO Urska Trunk, directora sénior desta campanha da Fundação Changing Markets.

A Inditex, a empresa que detém a Zara, afirmou que utiliza um volume de têxteis sintéticos que se revelou ser maior do que qualquer outra marca inquirida pela Changing Markets, segundo o inquérito divulgado. A utilização de tecidos de origem fóssil aumentou um quinto desde o último inquérito realizado pela organização, refere a mesma fonte.

A Shein, por sua vez, registou o rácio mais elevado de fibras sintéticas em relação às naturais, com quatro quintos (81%) da produção feita com recurso a têxteis de origem fóssil, segundo o documento.

Diferentes marcas internacionais não cumpriram a promessa de reduzir o uso de materiais sintéticos, feita no último inquérito da Changing Markets, publicado em Dezembro de 2022. A organização observou ainda que um número crescente de marcas se recusou a responder às questões colocadas este ano.

O relatório refere, por exemplo, que a H&M apresentou uma subida em percentagem do total de fibras sintéticas utilizadas de 26,6% para 29%. “O grupo H&M não é transparente em relação aos volumes para determinar como isso mudou”, refere a Changing Markets.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de comunicação da marca garante que a quota de sintéticos manteve-se estável nos últimos cinco anos, com ligeiras flutuações de ano para ano. “Neste contexto, registou-se um grande aumento dos materiais reciclados. Estamos a reduzir continuamente a nossa dependência de materiais sintéticos virgens, baseados em combustíveis fósseis. Em 2023, 79% do nosso poliéster era proveniente de fontes recicladas, marcando o progresso para o nosso objectivo de 100% de poliéster reciclado até 2025”, lê-se numa nota enviada ao PÚBLICO.

Como a indústria da moda parece estar a tentar ganhar tempo, adiando a decisão de reduzir o uso de matérias fósseis, Urska Trunk defende que os legisladores devem reforçar a regulamentação para travar a utilização destes produtos sintéticos no sector.

“A dependência da moda em relação aos [materiais] sintéticos representa uma ameaça directa tanto para a saúde do nosso planeta como para a nossa própria saúde, uma vez que cada vez mais os microplásticos são encontrados nos corpos humanos. Esta é uma chamada de atenção para os decisores políticos; o que realmente precisamos é de legislação ousada e decisiva para acabar com a dependência da indústria da moda dos combustíveis fósseis – e não de mais tácticas de adiamento e distracção”, refere Urska Trunk, numa resposta por escrito.

Roupas que geram microplásticos

Ao contrário das fibras naturais, como o algodão e o linho, estes tecidos têm origem em ingredientes oriundos dos combustíveis fósseis. São fibras sintéticas que libertam microplásticos durante a lavagem, a utilização e a fase em que se degradam em aterros. Por outras palavras, constituem materiais poluentes desde a produção até ao descarte.

“As fibras sintéticas dos têxteis tornaram-se um dos tipos de poluentes microplásticos mais prevalecentes no ambiente e estão a ser identificadas em numerosos órgãos humanos. A sua utilização pelos fabricantes é tão intensa e a poluição é tão intensa que é justo dizer que a própria moda está a tornar-se um risco para o ambiente e para a saúde humana”, refere o cientista Sedat Gündoğdu, especialista em biologia marinha, citado no comunicado.

Como são baratos e versáteis, os têxteis à base de combustíveis fósseis continuam a ser extremamente requisitados pela indústria da moda. Contudo, estas fibras são de muito difícil reciclagem e podem ter baixa qualidade, o que contribui para um aumento do volume global de resíduos e da poluição por microplásticos.

O relatório, divulgado estrategicamente no último dia da Semana da Moda de Londres, também quer alertar para o “falhanço” das iniciativas da União Europeia que visam tornar o sector mais sustentável. A organização lamenta, por exemplo, que a iniciativa que visava sensibilizar para a poluição por microplásticos se tenha tornado uma mera brochurapublicada em Outubro de 2023.

De acordo com um relatório da Agência Europeia do Ambiente, cerca de 4% a 9% dos produtos têxteis colocados no mercado europeu são “destruídos sem serem utilizados para o fim a que se destinam”. Isto representante entre 264.000 e 594.000 toneladas de tecidos destruídos por ano.

Estima-se que 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis são produzidos na Terra todos os anos: a maior parte desse total (73%) é despejada em aterros sanitários ou incinerada. Menos de 1% é reciclado.

Ao nível internacional, estão a ser discutidas diferentes molduras legislativas com o objectivo de limitar a poluição plástica no planeta. Mais de 30 projectos de legislação devem entrar em vigor nos próximos anos, incluindo o Tratado das Nações Unidas sobre Poluição Plástica, previsto ainda para este ano.



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